Caso Clínico - Cefaléia

Written By Helton Magalhães on domingo, 28 de fevereiro de 2010 | 16:47





Identificação


H. R. D., 2 anos, negro, natural da cidade de Catu

QP: Cefaléia há 2 dias


Há 2 dias início do quadro com febre não aferida e cefaléia pela manhã.Deu entrada no  hospital da cidade pela  tarde, onde foi feito os primeiros atendimentos ,  passando  a apresentar vômitos, foi  feito tratamento sintomático com metoclopramida. À noite, apresentou lesões cutâneas que pioraram na manhã do dia seguinte, evoluindo também com sonolência. Transferido para o Hosp. Roberto Santos após início de antibioticoterapia (ampicilina+cloranfenicol).


Exame


Temperatura retal - 39ºC
Hipocorado+/4+, hidratado, acianótico, anictérico.
Hipotenso (75x45mmHg), taquicárdico (140 bpm), taquipneico (32 irpm sem esforço).
Prostrado, sonolento,com rigidez de nuca, sem déficit focal de força, presença de sinal de Kernig.
Presença de lesões petequiais com áreas de confluência, principalmente em MMII, acometendo também tórax e MMSS.
Restante do exame sem alterações


Qual a suspeita Diagnostica?
Qual a conduta na emergencia?
Qual os exames a serem solicitados?
Discussão e diagnostico do caso


Nao pesque, pense antes.


Conduta


Feito hidratação vigorosa (20 ml/Kg etapa rápida), ATB (ampicilina+cloranfenicol), realizada punção liquórica (líquor turvo) e coleta de hemoculturas.
Solicitado hemograma completo, uréia, creatinina, TGO, TGP, K+ e EPF.


Resultado do Líquor


9.783 cel/mm3
PMN 100%
Proteinorraquia >1g%
Glicose - 0mg/dl
Bacterioscopia - Diplococos Gram negativos como pode ser visto na foto abaixo
Latex para Neisseria meningitidis C - positivo


Após estes resultados manteve-se apenas o esquema antibiótico com ampicilina.


Resultados dos exames laboratoriais


Hemocultura positiva para Neisseria meningitidis Creatinina -1,1 mg/dL
Uréia - 68 mg/dL
Sódio sérico -139 mEq/L
Potássio - 3,0 mEq/L
Hematócrito - 33,4%
Plaquetas - 101.000/mm3
Leucócitos - 5200 (21% seguementados e 47% batões)


Evolução


Evoluiu com regressão das lesões petequiais (crostosas), porém houve persistência da febre e da rigidez de nuca. Apresentou artralgia em joelho direito no terceiro dia de internação. Foi utilizada aspirina como anti-inflamatório e antitérmico, obtendo-se regressão da febre e da artralgia.


Recebeu alta após duas semanas de internação sem sequelas neurológicas.


OBS:Feito orientação para família quanto à profilaxia.


Questões


1) Qual é o diagnóstico para o caso?


Este paciente apresenta sinais clínicos e laboratoriais bastante característicos, o que nos leva ao diagnóstico de meningococcemia. Estes achados são:
# Meningite - Revelada pela rigidez de nuca, sinal de kernig e sonolência.
# Rash Cutâneo - lesões petequiais com áreas de confluência, o que apesar de não ser patognomônico de infecção pela Neisseria Meningitidis é bastante característico.
# Choque séptico - Demonstrado pela hipotensão; temperatura > 38ºC; Freq. cardíaca > 90bpm; Freq. Resp. > 30 irpm; mais de 10% de bastões e a evidência através do líquor de infecção.


2) Qual é a diferença entre meningite por Neisseria meningitidis e Meningococemia?


A meningocemia é a presença de infecção sistêmica (sepse) pela N. menigitidis, sendo que uma das suas manifestações pode ser a meningite. Temos ainda, pneumonia meningococica, endocardite, miocardite, pericardite, pleurite, peritonite, e artrite. Aproximadamente 10% dos pacientes com meningococemia desenvolvem a síndrome de Waterhouse-Friderichsen, caracterizada por choque séptico fulminante, púrpura disseminada (purpura fulminante) e insuficiência cardíca congestiva.


3) Você concorda com a conduta realizada inicialmente? Justifique.


Sim, pois pelo fato da meningococemia ser uma emergência infecciosa, é necessário o início da antibioticoterapia o mais rápido possível para que se diminua a morbi-letalidade, mesmo quando não é possível a realização da punção liquórica antes do início do tratamento (ainda que possa diminuir a chance de isolamento do agente etiológico).


No que diz respeito à escolha antibiótica, esta também foi correta, visto que cloranfenicol (100 mg/Kg/dia) é o antibiótico de escolha para meningite por Haemophilus influenzae (a qual pode apresentar manifestações clínicas semelhantes à do caso acima, ainda que lesões petequiais ocorram mais raramente e o paciente encontra-se numa faixa etária naqual este germe é o segundo mais prevalente) e a ampicilina (300-400 mg/Kg/dia) possui ação bactericida bastante eficaz contra Neisseria meningitidis, que é a principal hipótese etiológica tanto clinicamente, quanto epidemiologicamente. A escolha de ampicilina e não de penicilina neste caso ocorreu basicamente pelo fato de que a penicilina provoca flebite em crianças durante a infusão com maior frequência do que a ampicilina.


Uma outra opção é a utilização de Ceftriaxone que possui boa ação contra os dois germes mais prevalentes nesta faixa etária. Posteriormente, com o resultado do látex sendo positivo para Neisseria Meningitidis C, foi suspenso o cloranfenicol e mantido apenas a ampicilina.


4) Quais são as contra indicações para punção liquórica?
# Sinais neurológicos focais
# Hipertensão intra-craniana grave (anisocoria, HAS, bradicardia e arritmia respiratória)
# Insuficiência respiratória aguda
# Distúrbios hemorrágicos


5) Que profilaxia você indicaria para a família do paciente?


Para a mãe, gestante no nono mês de gestação, deve ser feito ceftriaxone (250 mg), dose única IM. Para o restante dos contactantes diretos, rifampicina por via oral (20 mg/kg divididos de 12 em 12 horas), por dois dias é a profilaxia de escolha.


6) Como você poderia explicar a persistência da febre?


Esta poderia ser explicada pelo surgimento de uma artrite reativa, que é de natureza imunologica e comum no decurso do tratamento da meningite meningocócica, flebite (pelo uso de antibiótico por via venosa), infeccção hospitalar (entre elas:infecção urinária pelo uso de cateteres vesicais, sepse e/ou endocardite infecciosa aguda pelo uso de cateteres venosos), complicações neurológicas (efusão subdural, empiema, abcesso cerebral e vasculite) e febre pelo antibiótico.


7) Como fazer o dignóstico diferencial com "dengue hemorrágico"?


O tempo de evolução é o fator que melhor diferencia as duas doenças, visto que a meningococcemia possui evolução rápida (de12 à 24horas), enquanto que no dengue hemorrágico o início da infecção é semelhante à dengue clássica, com febre e mialgia intensa podendo ou não apresentar manifestações hemorrágicas, evoluindo com hemoconcentração e plaquetopenia 3 a 4 dias após as manifestações iniciais.


A doença pode ainda posssuir um caráter bifásico. Outro fator que pode ajudar no diagnóstico diferencial é o leucograma, visto que na meningococcemia, por ser uma infecção bacteriana, usualmente há uma leucocitose com desvio à esquerda, enquanto que o dengue, por ser uma infecção viral, usualmente ocorre leucopenia.

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